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Maria João Cantinho



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Entrevista com Hélia Correia

18-04-2005 16:18

Recupero agora uma entrevista que realizei para a Revista Online "Storm-Magazine" em 2005.

 

 

 

Hélia Correia nasceu em Lisboa, em 1949. Licenciada em Filologia Românica, foi professora do ensino secundário, dedicando-se actualmente à tradução e à escrita. Sendo também poetisa e dramaturga, foi enquanto ficcionista que Hélia Correia se revelou como um dos nomes mais importantes e originais surgidos durante a década de oitenta, ao publicar, em 1981, “O Número dos Vivos”. Autora de uma obra de características muito próprias, Hélia Correia cria uma linguagem narrativa onde o banal e o extraordinário ultrapassam, por vezes, as fronteiras estabelecidas.

A sua escrita para teatro tem sido levada à cena por várias companhias de Lisboa: “Montedemo”, numa adaptação, pelo grupo de teatro "O Bando" em 1987, e, já na década de 90, “Perdição, Exercício sobre Antígona”, pelo grupo "A Comuna" e “Florbela”, pelo grupo "Maizum". O seu romance “A Casa Eterna” recebeu o Prémio Máxima de Literatura.

Publicou ficção, poesia e teatro. No campo da ficção: “O Separar das Águas” (1981), “O Número dos Vivos” (1982),Montedemo” (1983), “Villa Celeste” (1985), “Soma” (1987), “A Fenda Erótica” (1988), “A Casa Eterna” (1991), “Insânia” (1996). No campo da poesia, “A Pequena Morte / Esse Eterno Canto” (em díptico com Jaime Rocha) (1986). No teatro, “Perdição, Exercício sobre Antígona seguido de Florbela” (1991), “O Rancor, Exercício sobre Helena” (2000). No domínio da literatura infantil “A Luz de Newton.(7 Histórias de Cores)” (1988). Hélia Correia tem a sua obra reconhecida no estrangeiro, tendo sido traduzidas várias obras suas para inglês, checo e alemão.

 

A escritora Hélia Correia, com a simpatia e carinho que lhe é habitual, esteve à conversa com a Storm (Maria João Cantinho), sobre o seu último livro (para crianças) publicado, com ilustrações de Henrique Cayatte.

 

M.J.C. – Saiu recentemente um dos livros da colecção “Mopsos, o Pequeno Grego”, que se intitula O Ouro de Delfos. Esta colecção é dedicada às crianças. Como a vê e a situa, no conjunto da sua obra?

 

H.C. – Eu nem tenho uma obra. Tenho textos - que são todos textos de acaso. Este Mopsos é produto de algumas relações amorosas com crianças e com a Grécia. O meu sobrinho mais novo, o André, que tem agora nove anos, é um investigador nato e não se cansa de fazer perguntas sobre a Antiguidade Clássica. Então, pensei oferecer-lhe uma história original. Quando olhei para o herói do livro, vi o Mopsos no corpo do André. Tinha tanta vontade de ser escrito que quase nem dei por me ter sentado ao computador…

 

M.J.C. – Como pode a autora de “Montedemo” e de “Lillas Fraser” dizer que não tem obra? Porque diz que os seus textos são de acaso? Como nascem as suas narrativas? Como é o processo criativo?

 

H.C. – Uma obra implica uma vontade e um plano de carreira. Isto é, o autor comanda as suas atitudes, as suas produções e os seus efeitos. Está implícita uma inteligência social que me falta completamente. Eu vivo meio adormecida e sujeita a visões e a visitas de frases musicais. Às vezes, são muito fortes e exigem que as passe a registo escrito e siga atrás delas por um livro fora. Outras vezes, contentam-se com o seu puro aparecimento e nada querem, além de me deixarem viver vidas, pessoas e palavras que me detêm numa rede de encantamento e me protegem muito do quotidiano.

 

M.J.C. – Quem são estes personagens? Quem é Mopsos?

 

H.C. –  Há uma distorção de base do tema mitológico no meu Mopsos. Mopsos foi um famoso adivinho, neto do grande Tirésias. Mas, na narrativa do mito, Mopsos não chegou a conhecer o avô. Ora o primeiro Mopsos da minha vida foi o filho do João Mota que o guiava, como Tirésias, seu avô cego, na peça Rei Édipo, apresentada pela Comuna ( eu passava pelo espaço do teatro dizendo excertos do textos do coro, em grego…). Comecei a chamar Mopsos ao menino e, para mim, a imagem da criança ficou sempre física e afectivamente ligada à do avô.

 

M.J.C. – E são vários livros dedicados à colecção. Como vai crescer a história de Mopsos?

 

H.C. – Por meu querer, que não sei se coincidirá com o querer da escrita, Mopsos viverá seis aventuras que se inscrevem noutros tantos núcleos mitológicos. O segundo livro será sobre a origem heróica dos Jogos Olímpicos. Posso dizer porque já está pronto. Quanto ao resto, ainda só há a intenção. Como tenho sempre absoluto terror de que tudo me desapareça de um dia para o outro, prefiro não falar muito, não vão Mopsos e os deuses zangar-se e desaparecer…

 

M.J.C. – Tem uma relação forte com a tragédia grega e com o teatro? Como decorreu a sua investigação para criar esta figura do pequeno adivinho?

 

H.C. -  Tenho uma relação vital com a Grécia e com o teatro grego desde muito cedo. Estudei grego nos últimos anos do secundário. A Grécia antiga é um dos lugares em que vivo todos os dias. Não fiz investigação especial para o livro. Estudo constantemente a cultura grega. Já estive em Delfos várias vezes. Fiz a primeira visita com a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira. Ficámos lá uma semana. Pelo seu intermédio, conheci Delfos como poucos. Foi como passear no meio dos deuses.

 

M.J.C. – Como tem sido a aceitação deste livro? Tem sido convidada a apresentá-lo em escolas? Parece não haver nada em Portugal sobre a cultura grega, dedicada às crianças, contrariamente a outros países da Europa, onde, além de banda desenhada, há muitas histórias didácticas…

 

H.C. -  Há algumas obras valiosas, como O Ulisses de Maria Alberta Meneres e outras reescritas. Não conheço realmente uma criação de raiz como o Mopsos. O livrinho, sendo em parte meu e estando ao cuidado do meu editor, tem o destino dos meus outros livros: pouca exposição e muito amor. É o que quero para os seres que me são caros. Não fui a escolas, não. Fui, que me lembre, a duas livrarias até agora. Uma das sessões era dirigida às crianças e isso foi muito bonito. Quem lhe tem dado um carinho muito honroso e especial são os Helenistas do Instituto Clássico de Coimbra. Apresentaram-no, escreveram sobre ele. O Mopsos está bastante vaidoso com o facto, embora saiba que a vaidade humana desagrada aos deuses.

 

Como não escrevo pensando no receptor, parece que acabou por haver um desvio no perfil do destinatário ideal: o alvo desta série não é exactamente a faixa etária a que pertence o meu sobrinho. Nem ele nem os amiguinhos de uma escola básica 1 -  que também são como minha família  - o conseguiram ler. Tem muita letra e muitos nomes dentro! As ilustrações do Henrique Cayatte é que são muito apreciadas. Em contrapartida, os adultos dizem-me usufruir de momentos repousantes com ele e esperam com entusiasmo pelo próximo. Os meus amigos adolescentes também têm mostrado muito interesse. Uma Professora minha amiga, muito prestigiada, decidiu inclui-lo no seu programa universitário. Receei que os alunos ficassem ofendidos, mas não tenho notícia de reacções adversas…

 

Esta capacidade que um livro possui de estabelecer as suas próprias relações, de conquistar pessoas de idades improváveis e de fazer a escolha do seu próprio caminho, é para mim uma coisa fascinante. Como ser vivo, ele nasce, cresce e parte. Como podia eu servir-me dele para fazer passar uma mensagem, ainda que fosse pedagógica? Não, um livro não é pombo-correio, não tem de levar nada na anilha. Não há, aliás, que pôr qualquer anilha. A sua natureza de nobre não admite que lhe adscrevam missões. Não nutro a intenção de ensinar nada, a não ser que se chame ensinar a dar a mão e a fazer perder o medo para o voo. Penso sinceramente que esta Grécia ainda lá está e que é possível visitá-la. Claro que, por entrar e sair dela, se traz muita riqueza na memória e na experiência do conhecimento. Gosto de abrir as portas que há no tempo. Não gosto da atitude de quem detém alguma espécie de saber e o impõe com arrogância e caridade, o que não é senão a mesma coisa.

Caminhar com, levar numa visita: Tirésias conduz Mopsos que me conduz a mim que conduzo um leitor. Existe, é certo, muito rigor na reconstituição dos ambientes e dos mitos, de modo que o percurso é bastante fiável na sua semelhança com a realidade de então. Depois, é criação de cada um. A luz da Grécia bate em todos os olhares.